Mensalão e a Satiagraha
Artigo de André Soares - 15/08/2012
É motivo de júbilo para a sociedade brasileira e vitória do estado o transcurso do atual julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o denominado escândalo do “mensalão”, ocorrido em 2005, que está transcorrendo com total publicidade e transparência à nação, transmitido ao vivo por veículos da mídia nacional e internacional. Contudo, se o estado democrático de direito do país e suas instituições públicas tiveram maturidade e altivez para apurar e julgar os crimes do “mensalão”; por outro lado, se subvertem silentemente ante os ingentes crimes cometidos pelos serviços secretos nacionais contra o estado brasileiro e à soberania nacional. Isso porque se o “mensalão” é reconhecidamente a mais grave contingência criminosa produzida pela política brasileira da era republicana; o festival de clandestinidades patrocinadas pela Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) na Operação “Satiagraha”, em 2008, representa um dos mais graves crimes cometidos por serviços de inteligência contra o estado constituído, da história contemporânea mundial.
Sobre a real gravidade dos crimes da ABIN na “Satiagraha”, é de todo pertinente se indagar por que o então presidente Lula não hesitou em exonerar imediatamente o Diretor-Geral e toda a cúpula da agência, tão logo tomou conhecimento dos fatos; quando no caso do “mensalão” e em todas as graves crises dos seus dois mandatos, o presidente Lula sequer afastou qualquer de seus principais assessores. O real motivo dessa atitude inédita de Lula está no fato de que se há controvérsia sobre a sua eventual omissão a respeito do “mensalão”; quanto aos crimes praticados pela ABIN na “Satiagraha”, é indubitável que o presidente da república foi completamente traído por sua principal agência de inteligência. Assim, como Lula conhece sobejamente a história política nacional, ele sabe que presidentes podem sobreviver a “mensalões”; mas não à “monstruosidade” de seus próprios serviços secretos.
Não por acaso, o General Golbery do Couto e Silva, um dos principais idealizadores do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), criado em 1964, eternizou suas célebres palavras de arrependimento ao declarar posteriormente a respeito daquele serviço de informações: “Não imaginei que havia criado um monstro”. Todavia, como o presidente Fernando Henrique Cardoso (FHC) não se afastou dos erros passados reencarnou no Brasil o fantasma do antigo SNI, instituindo no país a ABIN, pela Lei 9883, de 07 de dezembro de 1999, como órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN). Destarte, com pouco mais de uma década de existência, a história da ABIN se caracteriza por sua escandalosa ineficiência e por uma sucessão de escândalos e obscuras crises institucionais que conduziram a degenerescente inteligência nacional à UTI, em estado gravíssimo, devido ao desvirtuamento criminoso dos seus serviços secretos. No epicentro desse estado de caos está a ABIN que, possuidora de amplos poderes, permanece uma “caixa preta” inexpugnável, completamente fora de controle, cujos crimes contra o estado vão muito além das suas ilicitudes cometidas na Operação “Satiagraha”.
Portanto, o “mensalão” e a “Satiagraha” possuem semelhanças congêneres. Nesse sentido, ambos não foram desvelados pela eficiência institucional do estado brasileiro, mas sim por mero acaso do destino; e seus crimes foram perpetrados por poderosas organizações criminosas nacionais, infiltradas visceralmente nos mais elevados e sensíveis escalões governamentais, contra o próprio estado constitucional. Mas, há uma diferença fundamental entre eles. Porque se no “mensalão” nossos governantes tiveram coragem e força para vencerem os inimigos do estado brasileiro, na “Satiagraha” continuam reféns da “monstruosidade” dos serviços secretos nacionais.